O CORONAVÍRUS E O TURISMO EM FAVELA
O turismo em favelas não é nenhuma novidade. Há quem diga que esse safari começou durante a ECO-92, quando parte a comitiva internacional visitou a Rocinha. Após a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora, a pratica aumentou bastante. É um absurdo continuar no momento atual.
Se essa comercialização da pobreza já gerava críticas por parte de alguns moradores que se incomodavam com o encarecimento do comércio e moradia locais, hoje a repulsa ganha um novo motivo. Além de terem a intimidade e a vivência cotidiana invadidas, moradores de favelas como Dona Marta, Rocinha e Vidigal reclamam da ameaça da contaminação pelo Coronavírus. Afinal, a ordem dos profissionais de saúde e do governo é evitar a aglomeração. A favela fisicamente é um aglomerado. As residências são próximas uma das outras e nelas podem viver várias pessoas _ inclusive, sem infraestrutura e saneamento básicos adequados.
Devido à suspensão das aulas, várias crianças estão pelas vielas dos morros. Apesar do recolhimento recomentado, a quarenta não é bem cumprida. Isso porque os pais dessas crianças saem para trabalhar, não tendo, em muitos casos, quem proíba a brincadeira na rua. Segundo afirmam especialistas, apesar de as crianças não pertencerem ao grupo de risco, se infectadas, podem contaminar indivíduos mais vulneráveis, como os idosos.
Moradores do Vidigal se manifestaram em redes sociais contra a presença de turistas na favela. Vídeos, áudios e mensagens em grupos de whatsapp expressavam a revolta dos "vidigalenses" com esses “visitantes” e exigiam a interrupção do turismo no morro enquanto durar a ameaça do Coronavírus.
“Em tempos de coronavírus, eles deveriam parar de subir a trilha. Por isso, acho prudente chamar os guias e mandar o papo reto” (Rita Machado, moradora do Vidigal)
“O que é isso, gente? Não pode praia, não pode lugar nenhum... Tá errado isso! Vocês não são daqui, não têm que fazer passeio turístico aqui. É doença, gente. É pandemia. O que é isso, gente? Vão cuidar da vida de vocês, gente. Tá errado fazer passeio turístico” (transcrição do vídeo em que uma moradora se dirige a um grupo de turistas no Vidigal)
Em resposta, a Associação de Moradores da Vila do Vidigal divulgou uma nota solicitando que os guias de turismo e proprietários de casas de show interrompam os serviços.
“ATENÇÃO! ATENÇÃO PEDIMOS AOS GUIAS DE TURISMO QUE NESTE MOMENTO EVITEM TRAZER TURISTAS PARA PASSEAR EM NOSSA COMUNIDADE DEVIDO A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS COM ISSO ESTAREMOS EVITANDO O ALTO CONTÁGIO EM NOSSA COMUNIDADE .E AOS MORADORES E PROPRIETÁRIOS DAS CASAS DE SHOW PEDIMOS QUE SIGAM AS DEVIDAMENTE AS NORMAS DE SEGURANÇA ESTABELECIDA PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE. OBRIGADO A TODOS ...” (Nota da AMVV nas redes sociais)
O Portal Favelas se junta a esse bonde e exige que as agências de turismo e os profissionais da área respeitem os moradores de favela e cumpram as determinações de prevenção contra o Coronavírus. Evitem a circulação da doença. Não tragam pessoas para as favelas. E, para a classe média alternativa, que “curte conhecer uma outra realidade”, frequentar os estabelecimentos em favela (que não são para favelados...), fique em seus apartamentos da zona sul e procure outra distração.
O COVID-19 não escolhe a classe social que irá infectar. Mas o acesso à saúde não é igualitário para todos. Nós, moradores de favelas, estamos em desvantagem _ mais uma vez.