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O Coronavírus e a segunda onda eugenista no Brasil


FOTO: Tiago Ferreira


Segundo o dicionário eugenia é: “teoria que busca produzir uma seleção nas coletividades humanas, baseada em leis genéticas; eugenismo”, ou seja, é o poder que o ser humano tem de escolher quais pessoas vão viver morrer ou viver.


Enquanto o Brasil se prepara para uma segunda onda de covid19 a segunda onda eugenista já esta em curso no país e as vítimas são os negros e negras periféricos e favelados. Vamos trabalhar com os fatos e fugir um pouco dos debates ideológicos. É fato que estamos vivendo uma pandemia mundial que já tirou a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. É fato que essa pandemia já tirou a vida de milhares de brasileiros de norte a sul do país. É fato que a maior parte da população vítima do covid19 é pobre, negra e periférica.


Analisando os fatos podemos concluir que hoje o Estado brasileiro repete a mesma política de eugenia que adotou no final do século XIX quando negros e negras de todo o país conquistaram sua liberdade. Com o fim da escravidão o Estado brasileiro abandonou os negros a própria sorte sem emprego, sem moradia, sem direitos e sem nenhuma política voltada para essa população que havia acabado de conquistar sua liberdade. Esse mesmo Estado que negou uma vida digna aos negros e negras incentivou a chegada de imigrantes brancos com o claro objetivo de embranquecer a população brasileira. Esses imigrantes chegavam ao Brasil com garantia de terra e trabalho para o sustento de suas famílias. Esse processo configurou a intenção do Estado brasileiro em promover um processo de eugenia e embranquecimento da população brasileira.


No Brasil a eugenia foi muito mais que uma teoria, foi uma política pública que visava exterminar os negros que recentemente haviam se livrado de sua escravidão para que os novos ares do capitalismo com mão de obra assalariada, branca e qualificada pudesse circular no Brasil. Quem iria imaginar que um dia esses homens e mulheres, negros e negras resistiriam a toda sorte de abandono e ataque do Estado? Quem iria imaginar que mais de um século depois seriam a maior parcela da população brasileira? Esses dados só reforçam o poder do povo negro, de sua arte de sua cultura e mostram que o racismo está na biologia, na política, na história, filosofia.... A pura e simples evolução das ciências por si só não será capaz de acabar com o racismo no mundo.


O racismo se mostra como a essência mais genuína da ignorância humana, pois do ponto de vista biológico todos os seres humanos pertencem apenas a uma raça. A raça humana.

Enquanto os cientistas discutem a possibilidade de uma segunda onda de Covid19 no Brasil, não podemos deixar de destacar que a segunda onda de eugenia esta sendo promovida pelo Estado brasileiro através do governo Bolsonaro. A aposta é deixar que o covid19 se espalhe rapidamente pelas favelas e periferias do Brasil, negando a existência do vírus e negligenciando deliberadamente o tratamento e prevenção dessa doença. A estratégia é deixar que o vírus se encarregue de ceifar a vida de milhares de brasileiros e brasileiras negros e pobres que não possuem condições econômicas e sociais de fazer o isolamento adequadamente.


Essa é mais uma oportunidade que Estado brasileiro encontra de fazer uma “limpeza” racial e social no Brasil. É certo dizer que do ponto de vista biológico o vírus não escolhe classe social, embora seja uma grande mentira dizer que do ponto de vista social a covid19 mata tanto o rico quanto o pobre. É fato que o vírus encontra as condições perfeitas para se disseminar nas favelas e periferias do Brasil. Com o “empurrãozinho” do governo Bolsonaro consegue circular em trens, ônibus e metrôs lotados de trabalhadores e trabalhadoras abandonados pelo governo com medo da fome e do desemprego.


Patrões de todo Brasil desfilaram em seus carros importados com bandeiras Brasileiras formando carreatas e pedindo a reabertura da economia. No Brasil é assim, a desigualdade social é tão grande que a luta de classes acontece nua e crua para quem quiser ver. A burguesia brasileira não tem pudor. Vale tudo. Vale até que patrões façam carreatas exigindo que seus funcionários se sacrifiquem para salvar suas empresas, seus lucros, suas viagens, seus iates, e toda a gama de coisas que cercam a vida luxuosa de um patrão “cidadão de bem”.


Quando o governo brasileiro nega a existência do vírus e diz que os trabalhadores tem morrer para que nossa economia não pare, podemos concluir que para esse governo a vida da parcela mais pobre da população é totalmente descartável.


Enquanto no século XIX a naturalização da morte causada aos negros e negras pela escravidão servia como pano de fundo para o projeto de extermínio dessa população após a abolição, no século XXI a covid19 é a senha para que essa política de nova eugenia faça o mesmo trabalho, embora esteja disfarçado de uma tragédia do acaso.


O objetivo atual não é exatamente exterminar totalmente, o povo negro do Brasil. A nova eugenia tem a função de controle social, assim como a necropolítica e o genocídio do povo negro. Um processo que o Estado brasileiro jamais admite fazer, mas que está em curso há séculos. Talvez a diferença da nova eugenia seja aproveitar a conjuntura para entrar em curso. Hoje essa oportunidade se revela com a chegada do novo Coronavírus no Brasil.


Ao contrário do que pensam os teóricos da conspiração, esse vírus não foi uma arma biológica criada pela China. A china hoje é o motor da economia mundial. Para que a China inventaria um vírus para matar milhões de consumidores de seus produtos ao redor do redondo planeta terra? Não faz o menor sentido...


A aparição desse vírus é um fenômeno natural que esta mais ligado a forma como os seres humanos estão ocupando e degradando o planeta do que qualquer outra coisa.

A covid19 deixa de ser um fenômeno natural no Brasil quando o presidente brasileiro trata a doença como uma "gripezinha" e deixa de oferecer a população condições sociais, econômicas e sanitárias para combater a covid19.


A política da nova eugenia fica clara quando o governo Brasileiro se posiciona contra Organização Mundial da Saúde OMS incentivando que os brasileiros protestem contra a quarentena, contra o isolamento social. O próprio presidente do Brasil esteve presente em diversas manifestações como essas que inclusive reivindicavam o fim da democracia.


A cartada final da nova eugenia foi jogar a responsabilidade de salvar a economia do Brasil nas costas de milhões de trabalhadores e trabalhadoras que fazem jornadas de muitas horas por dia sem sequer conseguirem ter renda igual a um salário mínimo. O exemplo disso são os trabalhadores e trabalhadoras uberizados por aplicativos, mal remunerados, sem direitos trabalhistas e com exaustivas jornadas de trabalho. Uma reserva de mão de obra teoricamente tão fácil de eliminar quanto os escravos libertos e abandonados a própria sorte no fim do século XIX.


Assim como os escravos que conquistaram sua liberdade e escaparam do processo de eugenia da nossa recém proclamada república no final do século XIX, trabalhadores e trabalhadoras das favelas e periferias resistirão a essa nova eugenia promovida pelo Estado brasileiro e operada pelo governo de extrema direita fascista de Jair Bolsonaro.


Nós vamos resistir novamente pois essa é a única opção que nos resta nessa conjuntura política tão complicada. Fazer resistência é mostrado de forma romantizada muitas vezes, como se fosse um ato belo de elevada consciência social e política. Eventualmente até pode ser assim.... Romanizações a parte, a resistência para a favelas é a sobrevivência, é luta pelo pão de cada dia que a lei do mais forte nos impõem no sistema capitalista.


Do governo fascista veio um auxílio de R$ 600,00, que seria apenas de R$ 200,00 se dependesse do presidente Bolsonaro. Um governo que se diz nacionalista, mas colocou o povo brasileiro a se humilhar em filas quilométricas em frente as agências bancárias. Esse auxílio é muito pouco para os trabalhadores e trabalhadoras que carregam o país nas costas e pagam uma das maiores cargas tributária do mundo.


É duro esperar R$ 600,00 reais de um duvidoso auxílio enquanto apenas sete famílias mais ricas do Brasil detém a mesma renda que a metade dos brasileiros mais pobres. A vida sempre foi dura para os pobres no Brasil. Em tempos de mamadeira erótica, terra plana e vírus chinês é sempre bom escrever o óbvio. Não fuja do óbvio.


Não existem soluções simples para problemas complexos. Para sobrevier a Covid19 e ao processo de nova eugenia teremos que fazer dois movimentos. O primeiro movimento é de governo. Precisamos da tão sonhada unidade entre o campo progressista e de esquerda para derrotar a extrema direita nas ruas e nas urnas. Quanto mais o tempo passa, mais o povo sofre e nossa vitória fica mais complicada.


O segundo e maior movimento de todos é ter um governo que se proponha a realizar um projeto de nação. Um projeto do tamanho do povo brasileiro respeitando nossas igualdes, diferenças e contradições.


Precisamos de um projeto de inclusão épico onde o pilar principal tem que ser a valorização da vida e desenvolvimento das periferias e favelas do Brasil. Projetos onde os trabalhadores negros e negras do Brasil tenham vida e consequentemente tenham voz.


A nova eugenia é a morte e representa o silêncio do povo negro. É um plano de extermínio onde não existem culpados. Basta deixar que o vírus se encarregue de levar a vida dos “indesejáveis”, ninguém aperta o gatilho, não tem rajada de metralhadora. Um plano quase perfeito, mas incapaz de derrotar o povo mais resistente do planeta terra. O povo brasileiro.


Rio de janeiro 13 de julho de 2020

Fillipe dos Anjos

Secretário Geral da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio De Janeiro. FAFERJ.

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