Massacre de Paraisópolis: Um ano depois, sem justiça para os nove jovens assassinados
Leia a carta de Cristina Quirino, mãe de Denys Henrique que morreu aos 16 anos
"Voltar nesse lugar é como viver um pesadelo, por essa razão não chamei as outras mães para me acompanhar. Preferi poupá-las dessa tormenta, mas foi necessário para mim estar ali e fazer lembrar que os 9 jovens de periferias diferentes foram covardemente impedidos de continuar a sua trajetória, foram impedidos de viver seus sonhos, foram impedidos de construir sua própria história.

Camisetas de Denys foram colocadas na entrada da viela | Foto: Jeniffer Estevam/Ponte Jornalismo
Nenhum deles morava na comunidade de Paraisópolis (periferia da cidade de São Paulo) e estavam, assim como tantas outras centenas de pessoas, no baile de rua “DZ7”, festa que ocorre há mais de 10 anos. Eu nem conhecia esse baile até tudo acontecer, mas sei que durante todo esse período, as autoridades públicas (administrativa e de segurança) não se importaram em organizar o lazer daqueles jovens e o bem estar da comunidade na qual o baile acontece. Isso seria o mínimo a ser feito para tornar a música, a dança e o lazer em geral acessíveis para a população periférica em todos os cantos da cidade.
Por que os jovens moradores dos bairros nobres podem fazer suas festas (inclusive na pandemia!) livremente, mas os nossos seguem morrendo quando tentam se divertir? Sei bem que se o baile fosse em uma região nobre, de pessoas com poder aquisitivo, a truculência policial da qual meu filho e os outros foram vítimas não ocorreria. Eles eram de Pirituba/Brasilândia, Vila Matilde, Capão Redondo, Interlagos, Mogi das Cruzes, Carapicuíba e Jaraguá.
Que nome se dá para a situação na qual aqueles que são designados para cumprir o papel de proteção da sociedade protegem apenas uma parte da mesma (a parte com dinheiro e influência)? Eu chamo de desigualdade, injustiça e falta de democracia.
Meu filho morreu pouco antes de completar 17 anos. Não posso me calar: enquanto eu viver seguirei denunciando o que aconteceu em Paraisópolis para fazer a sociedade enxergar que o sistema é opressor, que os valores estão invertidos e a lógica do Estado é incoerente. É preciso bradar o grito de justiça para impedir novas vítimas e lutar por uma outra forma de viver. Uma vida na qual o Estado volte sua prioridade verdadeiramente para todas as periferias: cultura, lazer, trabalho, educação.
Meu filho foi mais uma vítima, teve seu direito de respirar arrancado, mas não foi devido à pandemia de Coronavírus que o mundo enfrentou. No dia 1 de dezembro de 2019, Denys - assim como os outros 8 - morreu por asfixia causada por policiais militares que encurralaram, agrediram e atearam bombas de gás nessa viela que estava lotada de jovens que fugiam das agressões desses representantes do Estado.
A violência policial deveria ser vista como uma epidemia em nosso país, tão agressiva como qualquer outra doença. Talvez até pior, pois trata-se de uma lógica direcionada, seletiva, que corrompe a segurança pública e forma assassinos ao invés de policiais. A impunidade dos agressores dos 9 jovens assassinados em Paraisópolis depois de um ano mostra que a corrupção dessa estrutura é muito mais grave do que se pensa.
Meu coração, de todas as mães e famílias estão sangrando, clamando por justiça para nossos filhos!"
Cristina Quirino
Ontem, 2 de janeiro de 2021, Cristina esteve no local onde seu filho e os outros oito foram mortos. Leia aqui.