Por: Adilson Severo de Souza, morador da Rocinha e professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro.
Desde o início da atual situação, provocada pela pandemia do COVID-19 (Coronavírus), muito se tem assistido (e pouco discutido) a respeito da oferta da Educação, modalidade a distância (EaD), aos alunos da rede estadual do Rio de Janeiro e, também, aos estudantes da rede municipal. Apesar dos gestores públicos insistirem em implementar essa modalidade de ensino para suprir as necessidades escolares dos estudantes nesse período de crise, muitos especialistas têm se manifestado contra. Eles analisam, em termos gerais, o período de exceção que estamos vivendo em, basicamente, dois pontos: tanto na questão legal quanto na problemática social (e a mais importante) do assunto.
No que se refere à legislação, é inevitável ponderar que a Educação a Distância é um tipo bastante particular, com políticas, currículo, material, formação e público-alvo específicos. Esses fatores, por si só, já tornariam impraticável, no atual cenário, sua implementação na educação básica. Num panorama mais amplo, considera-se que o estabelecimento do ensino a distância é inviável e ilegal para a Educação Infantil (segundo documentos da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – Undime Nacional, e da Rede Nacional Primeira Infância – RNPI); não é recomendado para o Ensino Fundamental, uma vez que a criança ainda não possui autonomia, concentração e disciplina que a modalidade requer; e não é uma realidade para o Ensino Médio, pois exige um complexo modelo de estruturação e adequação pedagógica.
A despeito da fundamentação legal do tema, surge a questão social do problema. Há inúmeros itens a serem considerados quanto à execução daquilo que os gestores públicos estão chamando de Educação a Distância na escola básica, na rede pública do Rio de Janeiro. Dois deles são a falta de diálogo e a não participação da sociedade no debate: de um dia para o outro, os secretários de educação aparecem na televisão, e nas redes sociais, para anunciar a efetivação de uma política de EaD, em substituição às aulas presenciais, para os alunos, como se todos tivessem as mesmas condições e oportunidades educacionais.
Diante disso, o que os gestores estão nomeando de Ensino a Distância, na verdade, não passa de um “puxadinho” educacional, estando longe de ser uma real preocupação dos governantes com a Educação e o bem-estar dos educandos durante o período da quarentena. Esse tipo de ação prejudica, definitivamente (e ainda mais), os alunos pobres, principalmente os das favelas e periferias, a principal clientela das escolas públicas do estado.
E é isso que está em jogo: a imposição de um artifício de EaD, sem a mínima organização e estrutura, tendo em vista, pelo menos, que a maioria das crianças, jovens e, principalmente adultos, não tem acesso regular à internet, não possui notebook (ou computador) e nem preparo para lidar com as ferramentas que a modalidade de ensino exige. Isso levaria a maioria dos estudantes a ter acessos irregulares (ou mesmo a não ter acesso) aos conteúdos e aulas virtuais, o que serviria apenas para manter as desigualdades educacionais – já existentes no ensino presencial.
Entendemos que os alunos precisam (e têm direito a) ter acesso aos conteúdos e conhecimentos escolares. Entretanto, a educação formal que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é obrigação do Estado, não pode, nesse momento de pandemia, se transformar num “rabixo” virtual, contribuindo ainda mais para a exclusão e reprodução das desigualdades sociais.
É preciso, obviamente, pensar uma maneira de não prejudicar os alunos, tanto nos conteúdos quanto nos dias letivos e horas a serem cumpridos, e que constam na legislação. Contudo, isso não pode ser feito de qualquer maneira e nem às pressas. É, também, evidente que não somos contrários ao uso das tecnologias na Educação, avaliando, em especial que, num momento como o que estamos enfrentando, seria uma das formas de os estudantes estarem próximos da escola e dos professores.
Todavia, um período de exceção deve ser tratado como tal.
Em vez de fazer parcerias com grandes empresas, como a Google e Fundação Roberto Marinho, transferindo recursos e impondo uma falsa política de Educação a Distância – aproveitando-se de um grave momento de crise, o governador e o prefeito do Rio de Janeiro deveriam prestar auxílio aos professores, adoecidos antes mesmo de tudo isso acontecer, por diversos motivos. Professores, como os da rede estadual, por exemplo, que já estão sem reajuste salarial há seis anos. Deveriam prestar auxílio aos nossos milhares de alunos (e seus familiares), especificamente os das favelas, das periferias.
Pessoas que estão preocupadas com o que vão comer, angustiadas por não ter e não saber como conseguir dinheiro para comprar o que comer; estão atormentadas por não saber se estarão vivas ou mortas ao final disso tudo. Estão preocupadas em sobreviver.
(Créditos da imagem: Getty Images)