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Disfarce de cria com conscientização política

Com o intuito de promover a conscientização política dos clientes da periferia, barbeiro usa local de trabalho como espaço de aproximação e acredita que uma das chaves para Lula vencer o segundo turno das eleições está no diálogo com as favelas



Barbeiro Lenon enquanto deixa o cabelo de um cliente na régua

O Portal Favelas conversou com o Barbeiro e estudante de Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Lenon de 25 anos. Ele é morador da do Complexo da Mangueirinha, Duque de Caxias, e entre cada corte de cabelo, ele usa este momento como uma forma de aproximar os seus clientes a discussão política de acordo com a realidade das favelas em que vivem.


Lenon começou na profissão em torno dos 16 anos de idade, em um estabelecimento com um grupo de amigos, mas depois preferiu seguir carreira solo. Em 2019 se especializou como instrutor de barbeiros e promove aulas gratuitas na favela em que reside. Dessa forma possibilita em seu salão, Barbearia in Ghetto, a oportunidade para que jovens aprendam um meio de produzir renda própria.


A Barbearia in Ghetto, fica localizada na favela em que Lenon mora, e é um ambiente além do corte de cabelo. Isso porque o local também é espaço de descontração, desde assistir ao seu time de coração, a partidas de vídeo no famoso jogo Bomba Patch, 100% atualizado.


Nessa grande diversidade de o que fazer na Barbearia in Gueto, o bate papo seguido de uma cervejinha também é uma opção. Por isso, de modo a entender a realidade da maioria das pessoas que frequentam o salão, Lenon estimula o diálogo, tendo em vista que no primeiro turno das eleições presidenciais 2022, Jair Bolsonaro foi o mais votado em 70 dos 92 municípios do Rio de Janeiro e Luiz Inácio Lula da Silva nos 22 restantes, o barbeiro acha importante a reflexão destes dados, visto que Bolsonaro ganhou em toda a Baixada Fluminense sendo o mais votado em Duque de Caxias.

Sobre o resultado das eleições 2022 envolvendo os governadores, a contrariedade com a política eleitoral imposta a população favelada durante a campanha do Governador Cláudio Castro e o resultado de 58,6% , dos votos cariocas para ele e 27,4% ao segundo mais votado, o barbeiro conta como a população periférica é afetada pela carência de uma educação pública de qualidade “Muitas pessoas que moram nas favelas não sabem interpretar nas urnas o seu conhecimento político baseado em suas realidades, tanto que votaram no Governador que promete a ampliação do projeto cidade integrada e tem influência significativa em três das quatro maiores chacinas em favelas do Rio de Janeiro, isso explica o porquê de muitas vezes o favelado votar no seu próprio algoz. As favelas do Rio de Janeiro carecem de educação de qualidade, principalmente num governo que tem mostrado não se preocupar com o ensino público, bloqueando e contingenciando verbas ao setor. As favelas comportam grande parte do número de pessoas que compõem os dados de evasão escolar, por isso este fator as influenciam a acreditar em fakenews que circulam nas redes sociais. A vivência da realidade das periferias é importante, mas é importante que ela ande lado a lado com o conhecimento teórico”, disse.


O barbeiro que também é mc e compositor, conta que promover a aproximação da sua clientela à política, é colocar em destaque suas narrativas, desmembrando o próprio termo “política”, que é distanciado da população periférica e tomando outra conotação, fazendo com que muitos achem que o assunto somente está ligado à corrupção por exemplo. Política é discutir as relações sociais a que certo grupo está inserido, deste modo, a aproximação da periferia para Lenon, é mostrar que política se discute sim. Até porque é importante deixar claro que estes corpos de maioria preta que frequentam seu salão, não podem ser violentados e sempre vistos como o padrão às abordagens policiais, os quais estereotipam cortes de cabelo como o “reflexos’’ que são muito comuns na cultura dos jovens cariocas das favelas.

Mas apesar disso o jovem o barbeiro destaca os empecilhos contra sua tentativa de estimular o pensamento crítico em sua barbearia, “Fica complicado quando a gente tem próprios candidatos da área que inicialmente o vemos como uma potência, sacaneando os moradores. Isso acaba enfraquecendo nossa luta que é diária. Se a gente tem contato com cerca de 300 pessoas por mês, dentro de uma barbearia, e na comunidade como um todo por ter uma certa influência, a gente sempre está comentando sobre determinados pontos que são importantes para nossa sociedade. Por isso, quando essas pessoas falham e ficam na boca do povo, é difícil a gente defender ou ajudar de alguma forma” desabafa.


Dentre a vasta clientela que frequenta a Barbearia in Gueto, tanto pelos excelentes cortes, quanto pelos bate papos, Michael Moura de 22 anos, fala sobre a importância de debates em que a periferia esteja em pauta “O diálogo é importante para a gente debater os problemas da comunidade em um espaço não formal, não debater falando bonito, falar com as gírias das favelas de modo que englobe a todos. O salão no caso é maneiro porque a gente traz alguns temas porque muitas pessoas do morro não tem acesso a informação que dialogue com a realidade dela. O favelado trabalha muito, por isso muitas vezes ele não tem tempo para ficar verificando a veracidade sobre uma informação nas redes sociais, dessa forma ele acaba tratando tudo que chega a ele como verdade, por isso é importante que debatamos sobre a fluidez dessas informações”, diz.


Já Renan de 18 anos, que estuda Pedagogia pela Uerj, também conta que neste período dialogou tanto com pessoas da ala progressista, quanto da conservadora e ambos fluíram, como deve ser numa democracia, “Ninguém vota no Bolsonaro à toa, existe um contexto, isso é o que também tentamos entender através dos debates no salão”.


Um dos temas que também são bastante discutidos na barbearia é sobre a importância de outros locais nas favelas que busquem aproximar os moradores à política, os colocando como o centro das discussões, como comitês populares e o uso de outros lugares comerciais como salões de manicure, tracista. “Eu acredito que colocar o morador como protagonista é fundamental, até porque no contexto político de campanha eleitoral do Cláudio Castro, foi o corpo do morador que ficou na reta do fogo cruzado, com operações policiais irregulares. É preciso mais locais de discussão que incluam o favelado, mas também é importante por exemplo que comitês sejam tomados por pessoas da própria favela, fazendo com que os moradores entendam a qual classe e espaço elas pertencem, que não é a mesmo do Bolsonaro, e que na verdade é a classe que quer nos matar. Sou muito a favor do diálogo no barzinho, jogando fliperama e sinuca com o cria. Ir no circo Voador é importante, mas a esquerda tem que entrar na favela, ouvir o cria, até porque o que mais tem dentro de favelas são candidatos de partidos de direita e se de fato o morador entendesse o seu lugar de fala, estes partidos nem entrariam. Ontem eu estava ali na Rua da Mina, muitas pessoas no morro falando comigo sobre política. Tinha uma menina que falava que não votava e tinha um cara falando que o Lula queria colocar banheiro unissex em escola, ou seja, fakenews porque ele nunca falou isso. Muitas pessoas na favela às vezes tem ideias reacionárias que vem na maioria das vezes do que ela vê na igreja, que é o local que a acolhe na ausência das políticas públicas na favela. Então é importante promover o debate com diferentes tipos de pensamentos na favela, conosco tendo este papel importante de esclarecer as informações, até porque o salão é um local de acolhimento dentro de várias questões como integração social, saúde mental, oportunidade de renda para quem quiser aprender a ser barbeiro e quebra de questões que envolvem um forte conservadorismo”, conclui Michael Moura.



Barbeiro Renan enquanto se prepara para lançar a régua no cliente Michael Moura

Diante dessa conversa sobre a participação política dos favelados, este mês, o candidato à presidência Lula foi à favela do Complexo do Alemão, onde conversou com lideranças comunitárias e percorreu a rua itararé, principal via que liga a comunidade, e também foi a Belford Roxo. Segundo dados do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica – Ipec, divulgada na segunda-feira (17), Lula cresceu oito pontos entre eleitores de favelas. O candidato alcança 51% de adesão enquanto Bolsonaro, cai para 38%. Para Lenon é muito importante este encontro do Ex-Presidente Lula com lideranças populares nas favelas, visto que é comum a direita disputar este espaço, com diferentes meios como por exemplo, o discurso político através da fé nas igrejas. Por isso, promover o diálogo ouvindo o favelado que vive o contexto dessas divisões que cercam o Rio de Janeiro é fundamental.


Finalizando o bate papo, o jovem barbeiro apesar de promover o diálogo e influenciar outros colegas de profissão, acredita que ainda tem muito o que conversar, devido ao contexto das eleições 2022 no primeiro turno, em que pôde avistar muitos eleitores bolsonaristas com camisas do Brasil em sua favela.


A classe de mototaxistas, por exemplo, foi tão criminalizada em matérias midiáticas neste ano, sendo direcionados como ajudantes de traficantes, num contexto em que policiais estavam invadindo casas de moradores na operação que acarretou em mais uma chacina, no Complexo do Alemão em julho deste ano. Neste contexto, os mesmos mototaxistas fizeram uma manifestação na porta da favela, como tentativa de alertar contra a violência que os moradores estavam sendo expostos dentro de suas casas. A operação resultou de mortes de inocentes, como uma mulher que estava visitando seu namorado, sendo cruelmente morta por um policial a sangue frio, ao fechamento de escolas e postos de saúde. Lenon termina relatando que ver na sua localidade, essa classe fazer apoio para Bolsonaro que sempre deixou claro sua aliança a Cláudio Castro e que olha para favela como se todos fossem traficantes, torna ainda mais importante a permanência e ampliação de comitês populares nas comunidades e também faz com que sua barbearia sempre seja um local de grande importância ao diálogo. Como o jovem canta em sua música lançada este ano (https://youtu.be/nwdF3o6m-k8 ), “ não , não chore , eu acredito na minha favela ainda teremos dias melhores”.


Para quem quiser conhecer a Barbearia in Guetto e deixar o cabelo na régua, além ter aquele bate papo de cria, falem com o barbeiro Lenon através de sua rede social:

https://instagram.com/llenonj?igshid=YmMyMTA2M2Y=



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