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CORONAVÍRUS E AS DESIGUALDADES SOCIAIS


Foto Custódio Coimbra


Por falta de informação é que não será contido o corona vírus no Brasil.

Poucas vezes vimos tal mobilização da mídia e das autoridades em torno de um único tema. As autoridades sanitárias cumprindo bem o seu papel de alerta geral e a mídia explorando todos os ângulos da questão.



Em certa medida tem a ver com a indiscriminada ação de contaminação do Corona Vírus.

Cuidar do outro é também, e principalmente, cuidar de mim. Verdade seja dita, as autoridades sanitárias do pais, capitaneadas pelo Ministério da Saúde, tem sido exemplar, até agora, no processo de comunicação e orientação à população. A surpresa fica por conta do contraste com as atitudes inconsequentes do Presidente da República. No entanto, apesar dele, os profissionais da saúde tem se comportado com dignidade e profissionalismo.


Voltando ao Presidente, no inicio desse surto ele disse que era fantasia e responsabilizou a

mídia pela propagação da notícia. Criticado pelo apoio a uma manifestação de seus

apoiadores contra o congresso e o STF, num período onde a não aglomeração era palavra de ordem, fez um pronunciamento protocolar semi-desestimulando a participação das pessoas no evento. No entanto, em suas redes sociais particulares e em suas atitudes publicas, continuou a produzir estímulos à manifestação.


No dia em que foram anunciadas as medidas mais dr


ásticas, até o momento, para contenção da propagação do vírus: fechamento de escolas, teatros, cinemas, orientação para se evitar aglomerações e contatos, o presidente desautoriza os profissionais da saúde de seu próprio governo, confrontou as orientações dadas pelo ministro e autoridades sanitárias ao longo dos últimos dias. Saiu às ruas cumprimentando e abraçando manifestantes, seus apoiadores, Com direito a selfs, sorrisos e gritos de “mito”. O recado do presidente estava dado: esse tal de corona vírus não nos atinge. Somos mais fortes. E se fosse verdade, não estaria aqui com vocês. No entanto, neste mesmo dia o Brasil já contabilizava 234 casos confirmados da Covid19 (16.03).


Então, esse é o quadro no Rio de Janeiro: autoridades sanitárias sérias, cumprindo o seu papel de informar com transparência. Problemas estruturais nas redes hospitalares, hospitais federais, estaduais e municipais: faltam médicos e os leitos existentes já estão ocupados. Autoridades prometem instalar novos leitos nos próximos 30, 60 dias. As Clínicas da Família, há meses se ressentem com a redução do número de profissionais. Escolas públicas e privadas fechadas por 15 dias. Teatros, cinemas e casas de shows fechadas, nas praias, a defesa civil, através do corpo de bombeiros, usa alto-falantes para solicitar às pessoas que saiam das praias.Orientação enfática é evitar aglomerações.



A população esta dividida. Há os que não acreditam que serão atingidos, pois o próprio

presidente da república deixou transparecer isso, não só circulou na multidão como

cumprimentou e abraçou seus apoiadores. Na outra ponta estão aqueles que, já em pânico, passaram a estocar alimentos, papel higiênico e a comprar litros de álcool gel. Entre essas duas pontas, um mar de gente vai aos poucos se posicionando de acordo com suas convicções e possibilidades concretas.




E nas favelas, como conter o contágio ?

Aí “a estória carece de exatidão”: as desigualdades sociais brasileiras ganham contornos dramáticos, mesmo diante de um vírus que não escolhe classe social. As soluções apresentadas para muitos não serve para todos. Por exemplo, o trabalho remoto. Alguns não têm o hábito, a cultura de trabalhar em casa, e outros não têm as condições materiais: lap top, acesso a internet de qualidade e ambiência para se concentrar no trabalho. Alguns, algumas perderão seus postos de trabalho depois de três ou seis meses dessa pandemia, pequenas empresas, pequenos negócios não resistirão a quarentena.


O “distanciamento social”, solução necessária para conter o alastramento rápido do contágio não poderá ser praticado por um número considerável de trabalhadores e trabalhadoras. Os trens urbanos, Metrô, barcas e BRTs transportam esse contingente, na melhor das hipótese, ombro a ombro no interior desses veículos.


A quarentena domiciliar explicita, mais uma vez, que as desigualdades sociais definem quem será capaz de se proteger e proteger os seus. Tomando como referência o Rio de Janeiro onde aproximadamente 23% vivem em favelas, cuja condições de habitabilidade são precárias: saneamento, moradias, tamanho das casas, divisões de cômodos, a pergunta é: como seguir essa orientação?


Isolar um membro da família nesses espaços é quase impossível e não por desobediência, como foi o caso do Presidente da República. Em muitos casos nas favelas as famílias moram em espaços exíguos com um ou dois cômodos. Como reservar um cômodo para a pessoa contaminada?


Ainda refletindo a partir do RJ onde a prefeitura reduziu os profissionais nas clínicas da família e as UPAS reclamam falta de profissionais, o trabalho de prevenção, orientação e convencimento a partir do local está longe desse constituir com o instrumento de apoio na contenção da expansão do vírus.


É claro que não será agora, sob a regência do Corona Vírus que vamos resolver as desigualdades estruturais da sociedade brasileira. É claro também que todos, indistintamente, teremos que fazer a nossa parte. No entanto, as autoridades públicas precisam manifestar sua preocupação com as favelas e as condições em que vivem seus moradores. É necessário evidenciar esse ponto para que isso produza ações e reflexões específicas. As instituições de dentro e do entorno precisam buscar juntamente com os moradores iniciativas e alternativas as limitações físicas que minimizem as condições adversas. Não se pode deixar de lado essa população e depois fazer como o prefeito Marcelo Crivela: culpar os pobres pela sua pobreza e pelas suas condições de moradia. É necessário entender que esses locais e essas condições de habitabilidade são resultados de uma longa e estrutural ausência de políticas habitacional e de saneamento para a maioria dos trabalhadores desse pais.


Sem discordar de nenhuma das medidas de controle que estão sendo anunciadas, gostaria de fazer provocações complementares: que ações específicas estão sendo pensadas para as favelas do Rio? Nos casos de quarenta e/ou isolamento domiciliar quem vai monitorar, in loco essas pessoas? Qual será o papel das clinicas da família: agentes e médicos circularão pela favela? Visitarão domicílios? As clínicas estão prontas para lidar com as dúvidas e incertezas desta população?



Itamar Silva

Escola Sem Muros Grupo Eco

Mov. De Favela do Rio de Janeiro








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