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Aos secretários e secretárias de educação deste país


Após a prefeitura do Rio de Janeiro declarar que escolas poderão voltar a funcionar a partir de do início de julho, seguindo um "plano de retomada", o Portal Favelas publica o texto do educador Roberto Marques (UFRJ). Deixamos claro que o artigo foi escrito em 7 de maio e que o posicionamento tanto do educador quanto do presente veículo é contra a reabertura das escolas em plena pandemia.


"Quero me dirigir aos secretários e secretárias de estaduais e municipais deste país.

Não tenho a ilusão de conseguir sensibilizar a imensa maioria desse grupo, mas talvez, quem sabe, alguns poucos.


A educação básica brasileira está em frangalhos. Na verdade, a população brasileira está em frangalhos. A massa de desempregados, subempregados, precarizados, gente de carne e osso, vive uma situação desesperadora. Suas parcas fontes de renda para suprir as necessidades básicas se foram. Precisam se sujeitar ao risco da contaminação para tentar conseguir colocar leite em casa para suas crianças. Outros, nem têm mais onde buscar, estão à míngua, passando fome e vendo suas crianças sem ter o que comer. Isso não aparece nas estatísticas. São relatos de professores e diretores das escolas públicas deste país. Relatos diários, cada vez mais dramáticos.


A solidariedade do andar de baixo é impressionante, mas não é o suficiente, porque a força da destruição é enorme.


No entanto, vejo um empenho de vocês, secretários, em "garantir a aprendizagem", sem saberem nem ao certo o que isso significa. Repetem o mantra "a aprendizagem não pode parar", em substituição a "o Brasil não pode parar", parecendo não se importar com as pessoas, aquelas de carne e osso.


Por isso eu me dirijo a vocês, que são considerados gestores. Não ajam como gestores empresariais, aqueles que medem o sucesso da gestão pela produtividade alcançada. 

Escolas públicas não são empresas. Elas são espaços de acolhimento. São os lugares onde os desabrigados das enchentes ou deslizamentos encontram um teto provisório, ocupando as salas de aula, quando suas casas são arrasadas. É nas escolas que as comunidades fazem suas festas de confraternização, de celebração da vida. É nas escolas, também, que as mães e avós deixam suas crianças em segurança para poderem trabalhar, sabendo que estão sendo cuidadas e aprendendo.


Poderia listar muitas outras "importâncias" das escolas, mas vou citar apenas mais uma: é nelas que muitas crianças comem.


Em um país de desigualdades tão perversas como o Brasil, a escola pública pode não ser a solução, mas é um braço humano e de acolhimento, de um Estado hoje tão distante das massas.


Assim, apelo para que não pressionem mais professores para produzirem conteúdos para plataformas (privadas!) que chegam como solução para um problema inventado. Sim, a tal da aprendizagem que não pode parar é uma invenção que massacra a escola, massacra professores, massacra as crianças e massacra as famílias.


Até mesmo a OCDE (vejam só...) produziu um documento que alerta para a necessidade primeira de criar mecanismos de checagem diária da situação de estudantes e famílias. Fala, ainda, em preocupação com o bem estar de professores e funcionários. Repito, é um documento da OCDE.


O que pretendo com esta carta não é nada de especial. Apenas sensibilizar para que façam aquilo que é uma expectativa da população sobre os seus cargos. Não tenho dúvidas que as famílias atendidas pelas escolas públicas estariam muito mais satisfeitas se, neste momento, vocês estivessem trabalhando para que as escolas fossem esse espaço de apoio, de acolhimento, de humanidade.


A escola não parou, o que parou foi a sociedade, são as casas que estão com suas rotinas desarrumadas porque as necessidades mudaram.


Não gastem dinheiro público comprando "soluções". Pensem no que é o problema real.

O IDEB? O PISA? Os indicadores de rendimento? As bases curriculares?


Os números não ficam desempregados, não passam fome, não se contaminam, não morrem."

Roberto Marques

UFRJ

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