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Adeus ao múltiplo artista e ativista Sérgio Ricardo

Atualizado: 1 de ago. de 2020


Foto: Edi Heinz. Montagem de palco para o show "Tijolo por tijolo: 75+".

A manhã dessa quinta-feira, 23, trouxe a triste notícia: Sérgio Ricardo nos deixou. A perda é enorme para a arte brasileira que perde o músico, o compositor, o cantor, o ator, o cineasta e pintor. Sérgio Ricardo era múltiplo! Genial, compôs trilhas sonoras para filmes de Glauber Rocha: "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "Terra em Transe". Escreveu e dirigiu seus próprios filmes, como: "Barravento", "A noite do espantalho" e tantos outros. Sua arte estava a serviço do povo, denunciando as mazelas impostas aos mais oprimidos, em plena ditadura militar. Sua rebeldia foi além do clássico episódio da quebra do violão, no Festival de Música Brasileira. Sérgio destruiu opressões.


Por isso, perde muitíssimo também a memória do Vidigal, que não contará mais com as narrativas de sua história a partir de seu bravo defensor. Afinal, não há como descrever a trajetória de resistência dos moradores do Vidigal pela permanência de seus barracos, sem mencionar o papel fundamental desse artista que se tornou um militante da causa favelada.


Em 1977, o Vidigal sofreu uma ameaça de remoção dos barracos localizados na área conhecida como 314. Embora o governo afirmasse que o motivo era o perigo iminente de deslizamento, a motivação era financeira. Desejava-se construir imóveis de luxo naquela região. Foi nesse momento que o morro ganhou apoio do cantor e compositor dos festivais da canção e do Cinema Novo.


Sérgio Ricardo havia comprado um barraco na área do 314 a fim de fazer um laboratório para o seu filme “Zelão”. Ao chegar de uma turnê, descobre que sua casa também estava marcada para ser removida. Graças a sua influência junto à intelectualidade da época, consegue ratificar o apoio do jurista Sobral Pinto.


“Removeram umas 15 famílias para Antares. Conseguimos bloquear a remoção. Eu havia conseguido uma pessoa para falar com o Sobral Pinto. Eu pensei: ‘Só o Sobral Pinto que vai resolver esse problema na justiça’. Ele topou e acabou vencendo a causa em juízo”. (entrevista cedida ao projeto "Vidigal: Narrativas de Memória", 2017)


Embora os juristas trabalhassem voluntariamente na causa, havia os gastos com os processos. Sérgio Ricardo, que era diretor cultural da Associação de Moradores da Vila do Vidigal, na época, organizou um show com os Acadêmicos do Vidigal no ginásio da escola Stella Maris, para custear a causa jurídica.


A junção da arte com a causa da favela se repetiu no show dirigido por Sérgio Ricardo, “Tijolo por tijolo”, na década de 1980. A fim de angariar dinheiro para a construção de casas de tijolos para moradores do Vidigal, o artista elaborou um grande evento, que entrou para a história do morro. O show ocorreu na concha Acústica da UERJ e contou com nomes de artistas renomados como: Gonzaguinha, Zezé Motta, Zé Kéti, Nana Caymmi, Chico Buarque e João Bosco.


“Com a vitória contra a remoção, o pessoal começou a querer construir direito suas casas. Aí, surgiu minha ideia de fazer uma brincadeira para angariar fundos. Foi muito legal! Eu uni os maiores compositores da música brasileira. Lotou”. (idem)


Em 2015, o Vidigal completou, oficialmente, 75 anos. Eu já realizava o trabalho de preservação e divulgação da memória vidigalense. Propus ao coletivo que eu fazia parte, ColetivAção-Vidigal (composto por: André Gosi, Míriam Esperança, Rosa Batista, Edi Heinz e Adré Koller), a reedição do show “Tijolo por tijolo”. Ao levarmos a proposta ao Sérgio Ricardo, ele disse que só topava se tivesse um quê político para além da finalidade comemorativa. Junto com artistas e produtores locais produzimos um evento em celebração à memória e contra a gentrificação do Vidigal: o show "Tijolo por tijolo: 75+".


Mais uma vez Sérgio Ricardo foi grande. No palco que recebeu artistas locais, a portuguesa Carminho, João Bosco e Chico Buarque, o diretor do show abriu as apresentações com um discurso contundente e emocionado. E, mais uma vez, afirmou que a favela é dos favelados.


O Vidigal virou seu tema. O multiartista escreveu e dirigiu o filme “Bandeira de Retalhos”, onde retoma episódios da luta contra a remoção da favela. Apoiou projetos que tratavam da memória e da cultura do morro. Nos presenteou com a música que resume os personagens vidigalenses, que como ele, foram essenciais para a permanência e estruturação da favela.


É com essa canção que findo minha homenagem. Gratidão, Sérgio Ricardo!


Vidigal


Moacir, Marcão e Marquinhos Mário, Carlos Duque e Carlinhos Armando, Birosca da Conceição Abre o fole João Bananeira

Vilma, Aloísio, Pastinha Salve Mônica a nossa rainha Do bloco e do meu coração


No Vidigal tem uma turminha de bamba Que não esquenta com as ameaças do rei Se vem o mal Toda favela se levanta Seja lá quem for se espanta Se vem tirar chinfra de lei

Sua tramoia já sei de cor

Só porque tem seu poder Pensa que pode mais que um sofredor Tramar tramou Mas se derrubou Não se brinca com o poder Que o poder do povo é bem maior


(Sérgio Ricardo)


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